Escute “Miau Clara Canta” em áudio!

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Conheça a voz de cada personagem…

OUÇA A VERSÃO EM ÁUDIO DO LIVRO !

( Uma proposta de acessibilidade à deficientes visuais e pessoas sem letramento)


Ficha técnica:


Música ‘Miau’: Bárbara Trelha, Arranjo e execução de violino– Davys E. Espíndola. Contrabaixo- ClóvisMartins Guitarra/Violão- Piero D. Nossol , Gravação: Estúdios Decibel, Revisão de áudio: Produsom, Vozes dos Personagens: Narradora– Ana Carolina M. Coan, Clara– Maria Eduarda Bras, Mãe de Clara– Bárbara Trelha, João– João Victor Gomes de Queiroz, Gato: Fabrício Sfredo, Diretora– Geovania Ramos, Túlio– kuro, Professora- Isadora Trelha Matias. Coro de Crianças: Alunos da EBM José Amaro Cordeiro (2017).

Estúdios Decibel

Miau: Clara Canta para as Estrelas!

     A canção “Miau” para você escutar 

Livro desenvolvido com fomento da CAPES durante o curso de pós graduação Profissional em Artes da UDESC-SC/2016-2018.

Considerações:

  O material abaixo foi desenvolvido após dois anos e meio de pesquisa e processo de criação. Orientado pela Prof(a). Dr(a) Teresa Mateiro – Prof-Artes /UDESC- o livro dialoga com um artigo científico e com um planejamento pedagógico curricular de música sobre literatura, educação musical e leitura compartilhada. A pesquisa e concretização desse material só se deu devido ao fomento da CAPES e apoio da equipe técnica descrita no livro. Os alunos curriculares de música fizeram parte da criação do material como consultores diretos e como cantores – dublagem no áudio book.

 

 

 

 

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TENHA TAMBÉM A PARTITURA

 

Para baixar a partitura com cifras- clique aqui          

Breves ensaios sobre o amor

“Penso que talvez a alma humana não possua limites para amar…”

introdução

Ouço muita ladainha em torno do assunto ‘amor’. Uma das falas mais comuns é sobre a existência de um amor maior que nos santifica de alguma forma. Um amor altruísta e edificante, capaz de purificar qualquer alma pecaminosa. Menos comum, ouço sobre outras formas de pensar o amor. Um exemplo é o amor visto do ponto de vista da neurociência. Ela o percebe como uma série potente de ligações sinápticas ditadas por experiências específicas. Também pouco se fala do amor sob um aspecto mais biológico. Para a biologia o amor pode ser  essencialmente guiado por hormônios que aproximam os corpos uns dos outros- por meio dos feromônios- com finalidade única de perpetuação da espécie.  Dentre tantas possibilidades de leitura, há quem olhe também para os  efeitos do amor na alma. Desconhecemos os mistérios da alma e seus códigos de funcionamento. Como os estudos da alma não cabem ainda nas mãos da lógica científica, ficamos à deriva, em observação. O ser humano logrou ao longo dos tempos a capacidade de imprimir a um conjunto de afetos um único nome: AMOR. Essa pequena palavra encerra em si uma variedade absurda de significados que se formam a partir de inúmeras sensações. São multi combinações fenomenologicamente inexplicáveis como o próprio tempo o é.  O fato é que desconhecemos o fenômeno ‘amor’ na sua inteireza tanto quanto desconhecemos as milhões de galáxias espalhadas no cosmo.  Mesmo quando falamos dos mistérios da criação, o amor é capaz de aparecer como um ingrediente deidificado, afinal Deus é também fonte de amor para os seres humanos. Na ânsia de dar organicidade ao amor e expressar as inúmeras formas de manifestação desse sentimento, usamos a linguagem. Por se tratar de ser mais complexo que a língua, o amor acabou levando homens a  buscar formas mais apropriadas de expressão. Formas linguísticas que transcendessem a simples comunicação social. Isso acontece quando conseguimos estabelecer uma relação semântica com o mundo do inefável. É quando surge a  ARTE, fruto de um bom casamento entre as experiências das linguagens com as coisas do indizível.  Nela, a aproximação do homem às coisas que lhe fogem à exatidão conceitual, mas que ao mesmo tempo o invadem. A arte, na sua premissa libertária de natureza ontológica, nos aproxima das coias que não conseguimos nominar. A arte naturalmente confere ao amor possibilidades de forma, cor, som, harmonia e sentido. Dá contornos às coisas humanas mais complexas e misteriosas. A arte possui uma semântica própria para  representar as coisas não decifráveis e de maneira intertextual, consegue desembaraçar as faces do amor.  O poeta Percy Shelley em seu ensaio sobre o amor, o  descreve como ”  o laço e a confirmação que conecta não somente o homem ao homem, mas a tudo que mais existe.” A imensidão desse assunto me me toca por ser o amor o combustível vivo de toda minha existência. Decidi escrever sobre meus devaneios acerca do amor em foma de ensaio. Decidi isso depois que meu filho mais velho, um dia desses, me abordou perguntando por quê o assunto amor aparecia tantas vezes em minhas canções. Eu disse a ele que me sentia assim: em repetidos estados de amor.  Após a resposta, me beijou a face de forma amorosa e, sorrindo, disse que já sabia. Resolvo escrever esse breve ensaio sobre o amor por me sentir muito amorosa e ao mesmo tempo tão distante do amor. Amar, na minha história, sempre foi um duelo interno. Permanecer no amor, uma constante luta entre trevas e luz, sombra e sol. Publicarei esse ensaio em partes. Os intervalos de tempo servirão para que o leitor possa fruir junto com o ensaísta, seus próprios devaneios acerca do amor.

Breves ensaio sobre o Amor

“Penso que talvez a alma humana não possua limites para amar…”

Introdução

Ouço muita ladainha em torno do assunto ‘amor’. Uma das falas mais comuns é sobre a existência de um amor maior que nos santifica de alguma forma. Um amor altruísta e edificante, capaz de purificar qualquer alma pecaminosa. Menos comum, ouço sobre outras formas de pensar o amor. Um exemplo é o amor visto do ponto de vista da neurociência. Ela o percebe como uma série potente de ligações sinápticas ditadas por experiências específicas. Também pouco se fala do amor sob um aspecto mais biológico. Para a biologia o amor pode ser  essencialmente guiado por hormônios que aproximam os corpos uns dos outros- por meio dos feromônios- com finalidade única de perpetuação da espécie.  Dentre tantas possibilidades de leitura, há quem olhe também para os  efeitos do amor na alma. Desconhecemos os mistérios da alma e seus códigos de funcionamento. Como os estudos da alma não cabem ainda nas mãos da lógica científica, ficamos à deriva, em observação. O ser humano logrou ao longo dos tempos a capacidade de imprimir a um conjunto de afetos um único nome: AMOR. Essa pequena palavra encerra em si uma variedade absurda de significados que se formam a partir de inúmeras sensações. São multi combinações fenomenologicamente inexplicáveis como o próprio tempo o é.  O fato é que desconhecemos o fenômeno ‘amor’ na sua inteireza tanto quanto desconhecemos as milhões de galáxias espalhadas no cosmo.  Mesmo quando falamos dos mistérios da criação, o amor é capaz de aparecer como um ingrediente deidificado, afinal Deus é também fonte de amor para os seres humanos. Na ânsia de dar organicidade ao amor e expressar as inúmeras formas de manifestação desse sentimento, usamos a linguagem. Por se tratar de ser mais complexo que a língua, o amor acabou levando homens a  buscar formas mais apropriadas de expressão. Formas linguísticas que transcendessem a simples comunicação social. Isso acontece quando conseguimos estabelecer uma relação semântica com o mundo do inefável. É quando surge a  ARTE, fruto de um bom casamento entre as experiências das linguagens com as coisas do indizível.  Nela, a aproximação do homem às coisas que lhe fogem à exatidão conceitual, mas que ao mesmo tempo o invadem. A arte, na sua premissa libertária de natureza ontológica, nos aproxima das coias que não conseguimos nominar. A arte naturalmente confere ao amor possibilidades de forma, cor, som, harmonia e sentido. Dá contornos às coisas humanas mais complexas e misteriosas. A arte possui uma semântica própria para  representar as coisas não decifráveis e de maneira intertextual, consegue desembaraçar as faces do amor.  O poeta Percy Shelley em seu ensaio sobre o amor, o  descreve como ”  o laço e a confirmação que conecta não somente o homem ao homem, mas a tudo que mais existe.” A imensidão desse assunto me me toca por ser o amor o combustível vivo de toda minha existência. Decidi escrever sobre meus devaneios acerca do amor em foma de ensaio. Decidi isso depois que meu filho mais velho, um dia desses, me abordou perguntando por quê o assunto amor aparecia tantas vezes em minhas canções. Eu disse a ele que me sentia assim: em repetidos estados de amor.  Após a resposta, me beijou a face de forma amorosa e, sorrindo, disse que já sabia. Resolvo escrever esse breve ensaio sobre o amor por me sentir muito amorosa e ao mesmo tempo tão distante do amor. Amar, na minha história, sempre foi um duelo interno. Permanecer no amor, uma constante luta entre trevas e luz, sombra e sol. Publicarei esse ensaio em partes. Os intervalos de tempo servirão para que o leitor possa fruir junto com o ensaísta, seus próprios devaneios acerca do amor.

Do amor cultural às canções 

O amor cultural ao qual me refiro, se entrelaça com o conceito de “par”.  O duo, o casal, a junção de dois seres. Se pensarmos que dois seres nunca serão um, que uma unidade composta de duas pessoas diferentes sempre estará prenhe de contrastes, o conceito de par possui dentro de si inúmeros rabiscos de dualidade. Nossa civilização ocidental não costuma lidar de forma eficiente com essa coisa da dualidade. Diferente das filosofias orientais que compreendem a relação intrínseca entre luz e sombra, fundo e figura, tudo e nada, nós -os ocidentais infelizes- gostamos de finais de filme onde tudo acaba em felicidade. Pensando em um casal como uma ideia de unidade institucionalizada ao longo dos tempos, penso que, na nossa cultura, ela possa ter se preenchido de outros aspectos das relações: A ideia de  controle e a prática da opressão. A forma como a  maioria dos casais instituídos vivem, muitas vezes divergem completamente de uma relação supostamente amorosa. Quando recebemos a ideia de casal e em seguida, a ideia de namoro, de noivado e de casamento, mesmo que em formatos e com nomes diferentes, todas vêm acompanhadas na prática da essência dual. Essa dualidade permanente é a essência de uma relação a dois.  Contrário ao que a cultura propões massivamente (felizes para sempre), os pares formados a partir dessa proposta e pautados nela, comumente se encontram em estado de guerra, experienciando ambiguidades infinitas, caóticas experiências quebradas, fragmentando-se a cada bom dia repetido e tedioso. Ilustraria essa ideia coma  canção Cotidiano de Chico Buarque mesmo podendo parecer clichê. ” Toda dia ela faz tudo sempre igual/ Me sacode às seis horas da manhã/ Me sorri um sorriso sempre igual / E me beija com a boca de hortelã.”  De forma sutil, à primeira audição da letra, o ouvinte pode ser levado à sensação gostosa de uma vida a dois, com cenas de cuidado e até o sexo ligado ao amor, quando ao final da noite quando ele fala: “Toda noite ela diz pr’eu não me afastar/ Meia-noite ela jura eterno amor/  E me aperta pr’eu quase sufocar/ E me morde com a boca de pavor”.  Conforme a música se repete, o tem cotidiano e suave começa a ficar enfadonho e quase angustiante. O próprio arranjo da canção propõe zonas de tensão harmônica que reforçam tensão. A canção é um gênero que une palavra a uma atmosfera afetiva. A música possui um certo “poder” quando consegue deslocar a força da palavra à outros lugares semânticos expressivos. A gente pode ter uma letra ( poesia) amável e doce num ‘texto melódico’ pesado e arranjo musical mais explosivo. Na canção e a palavra pode ter seu efeito alterado ou moldado. Eu costumo dizer aos meus alunos de interpretação vocal, que há de se observar a natureza desses dois textos. Quando o compositor respeita a natureza de ambos e não submete um ao outro, a canção ganha potência. O contrário, quando um dos elementos anula ou enfraquece o outro, a música não alcança essa unidade e é como um casal, ela fica dual em algum ponto. A arte busca a harmonia e um casal nunca a alcança completamente. Aí talvez a função da arte, entre tantas. Quando atinge a complementariedade simultânea e “perfeita” de elementos, ela causa êxtase, atravessa a alma. Voltando à institucionalização do amor em formatos sociais, falemos do casamento.  Não menos assertivo, Chico tem também a canção ” Casamento dos Pequenos Burgueses” do musical  ‘Ópera do malandro’ de 1978, onde usa humor e uma pitada de realismo para falar de um casal que passa a vida juntos por motivo adverso mas nada ligado ao amor verdadeiro. Aliás esse musical aborda muitas nuances das relações tanto amorosas quanto de poder, passando por questões e tabus quase intocáveis na nossa sociedade politicamente correta.

Assumindo essa contrariedade entre o que é ‘vendido’ e o que é vivido, podemos separar a expectativa pautada no que dita a cultura. Com isso podemos  separar o que seja um amor institucionalizado dentro de um conceito falido com propostas políticas, e o que seja a realidade amorosa de um casal ( seja homem com homem, mulher  e homem, pai e filho, casal de irmãos ou outros).  Vou escrever, no próximo item, sobre o amor no sentido mais amplo, o amor  que reside na superação e transcende os aspectos enganosos da ideia de casal. Mas antes devemos ainda passear pelos corpos…

Da biologia intrínseca

Homens e mulheres, afora a  junção perfeita dos respectivos gametas, não foram feitos um para o outro. Mulheres em geral são mais felizes perto de outras fêmeas e homens perto de seus machos camaradas  e de seu bando super estimado e auto-protetor. Fêmas por sua vez, embora não compartilhem da “broderagem” dos machos e códigos de honra quase inabaláveis, compartilham da necessidade quase instintiva de privadas limpas, de conversas extensas acerca de tudo e com todos, onde os requintes de detalhes sustentam a complexidade da qual nascem, da qual pertencem e da qual muitas vezes padecem. A linguagem para as fêmeas é a  mais alta ferramenta de elo. Para os homens o silêncio reina e sustenta códigos de honra e lealdade: estruturas mais fundantes. Quando quebrados os códigos masculinos , machos resolvem “na mão” seus por menores. Eles ainda assistem MMA (Mixed Martial Arts) , vão à partidas de futebol, ou ainda, investem tempo e dinheiro em aplicação em bolsas de valores ou mesmo em processos judiciais que são polidores naturais dos instintos primitivos de lutar até vencer o inimigo. O fato é que seja “na mão”, ou pela lei escrita, a regra em que o mais forte vence de alguma forma, prepondera e permanece no inconsciente masculino. O macho perdedor em geral, é banido do grupo, coisas que fêmeas não costumam fazer pois não vivem uma relação com seu grupo, de pertencimento leal. Fêmeas se permitem elos e inter-elos sem perderem a noção de individualidade. Mantém a capacidade de trocar a qualquer momento de bando, cidade, país, adotando e sendo adotada por diferentes territórios. Mas se a maior parte do amor é fruto de construções culturais e biológicas, onde reside o real amor?

Do amor e sua morada

O mais elevado dos pensadores, o físico mais renomado, o astronauta mais auspicioso,  o mais sensível dos poetas, o mais consistente dos dramaturgos, todos eles poderiam descrever o estado de amar. No entanto qualquer pessoa de costume simples, sem erudição ou mesmo com comprometimentos neuro-funcionais é capaz de sentir-se amada e de amar  pois  que todas pessoas são capazes de acessar o amor. O difícil talvez seja enumerar as diferentes e possíveis formas de amar. Como as inúmeras estrelas e galáxias, é impossível mapear esse sentimento por conta da complexidade dos seres humanos e de suas múltiplas combinações nervosas e – acrescento- sensíveis, biológicas e culturais. Resta então elencar esse amor mais sublime. E para isso encorajo-me a dizer que ” amar é  a única experiência capaz de criar a ideia de Deus e propiciar a experiência com a divindade, com o sagrado”.  O Deus humano bebe nos diferentes tipos e manifestações de amor a sua potência de ação entre os homens.  Por se tratar do MEU ensaio,  declaro que o amor  mora no caos do ser humano e, ao mesmo tempo, na sua eternidade.  O amor explica e constitui os elos que não se desfazem. Reside nas coisas e eventos que se sobrepõem ao tempo, aos ventos, às dimensões, ao espirito. Um amor seria capaz de atravessar vidas? Pouco provável dado o instinto de apego que temos a quem somos no presente, mas eu não diria que é impossível. Penso que o amor se sobrepõe  à matéria e ao corpo físico. É com essa teoria que explico um homosexual do sexo masculino amar uma mulher de verdade e um homem heterosexual ser capaz de amar outro homem. Amor nada se relaciona com perpetuação das espécies. Somos muito provavelmente bissexuais por natureza, pois a libido existe a partir de um elo e esse elo pode surgir com vários formatos e com várias nuances, ditada única e exclusivamente pelo conjunto de necessidades e/ou experiências positivas que passamos a ter com cada ser na terra. Quando o amor nasce do conjunto de necessidades ou experiências negativas, temos um amor perverso,  que à priori funciona de igual maneira para que o possui porém impacta de forma muito adversa os meio onde aparece. De todo jeito, fica claro aqui como as formas de amor helicoidais.

Dos  amores

Acordo com dois amores no peito.

Um me  lembra dos desenganos de amar,

o outro imprimi ao momento, uma presença etérea.

Amo um alguém como nunca amei. Essa frase é cem por cento verdadeira. Nunca amamos da mesma forma. Mudamos a todo instante. Bilhões de estrelas se extinguindo no universo e a cada momento de renovação celular, o homem se perpetua no estado de amar. Na cultura em que vivemos podemos dar nome aos nossos amores. Eu particularmente, elejo alguns amores ao status de “almas companheiras”.  Uma alma companheira não depende e nem pede corporeidade. A presença desse amor dentro da minha alma, tem tanta potência que não precisa de convívio, razão, ou contato físico, sequer contato. É uma experiência única onde elos flutuam enquanto as almas seguem suas relações menos sagradas. Quando abraço uma alma companheira, descanso o espirito e recarrego ele para a jornada longa da eternidade. Poucas coisa se aproximam dessa experiência. A música as vezes consegue chegar perto de definir isso, a dança imita o movimento e a poesia o descreve o estado de torpor amoroso com as metáforas. A arte garante ao ser humano de forma única concretizar essa experiência tão humana.

Amar em tempos de capitalismo

O amor aculturado nada tem de amor , muito tem de business. Junto da ideia de casal vem a da monogamia, a do amar para sempre e a ilusória da segurança no elo fruto do  amor. Nenhum elo é estável, amar é por essência o balançar na corda bamba. Perseverar no amor é manter-se na corda, voltando depois de cada queda. Não quer dizer que as cordas do amor não possam ser rompidas. As escolhas ditam em quais cordas andaremos e quais deixaremos para trás, e também aquelas que se instalarão permanentes em nosso íntimo. Desdobramentos do amor também existem. Outros sentimentos podem surgir no lugar dele. Muito próximo ao amor está o ódio, sentimento capaz de ruir a alma. O ódio é uma das manifestações sombrias do amor e não é menos potente. Ele tem suas raízes nos sentimentos ególatras podendo ser entendido como um sentimento retro-egoico.  Ao negar a oscilação que o amor causa na alma, ao negar o impacto transformador sem precedentes que o amor pode implicar em uma pessoa, o ódio -ego centrado- e o egoismo costumam surgir com vigor. Tão aniquilador quanto amoroso, o ódio busca eliminar o caos, dar fim ao êxtase e instituir  a estabilidade por meio do controle, por meio do ‘casal’ , do ‘casamento’, do ‘namoro’, do ‘noivado’… A simbiose eterna, apegada à forma e nada ligada à essência, como se fosse possível instituir grades invisíveis em torno do abjeto amado o deslocando para lá e para cá conforme nos seja mais conveniente. Lembro agora do  livro “De Pessoa a Pessoa” ( Hicner) onde esclarece sobre relações Eu-Tu e Eu-Isso, baseado no pensador Matin Bubber.

Outros tipo de amor

Entrando no campo do anti amor, falaremos das sombras do amor, dos amores insanos e afins. Esses são mais conectados com a pele, vias dérmicas. Alguns amores são mantidos pelo tato, olfato, paladar e ouvidos. Amar o corpo do outro de forma insana é como beber repentinamente muita água em dia de calor após uma corrida: enquanto se bebe água, seguramos a falta de fôlego para seguir engolindo água de forma afoita até que o estômago anuncie o exagero e a pessoa tenha por garantida a sobrevivência e o prazer da saciedade. Tem o amor egoísta, mas esse merece um escrito à parte porque ele é muito ancestral e aparece nos mitos de forma muito clara.

Do amor de Narciso

Busquei no mito de Narciso explicação para o amor egoísta: o grande vilão da atualidade. Poucos escapam dessa forma de amor: o amar a si mesmo. Amor venerado, regado a uma sutil auto idolatria. Amar o espelho e desprezar qualquer forma que não se assemelhe ao reflexo de si é também uma forma de amar. Talvez um pouco deformado, esse amor egoico é uma espécie de amor  próprio em doses altas demais,  incitando a vaidade que é aliás um dos sete pecados capitais.

Conhecendo a história de Narciso, ficamos sabendo que ele era um jovem muito bonito e jamais poderia olhar a própria beleza sob o perigo de perder o controle de seus sentimentos.  Junto ao atributo da beleza, Narciso também possui prepotência e arrogância. Conta o mito que certo dia a ninfa Eco se aproximou do jovem apaixonando-se pela beleza do rapaz conforme acontecia com todas pessoas.

Imagem retirada do site: https://thebooksguardian.altervista.org/la-leggenda-di-eco-e-narciso-da-dove-viene-il-termine-narcisismo/

Essa ninfa de voz encantadora, no momento em que se apaixona por narciso, estava sob efeito de uma maldição: a ecolalia. Hera, a mulher de Zeus, amaldiçoara essa ninfa porque ela havia ajudado Zeus- marido de Hera- a escapar da sua esposa após traí-la com outras ninfas. Foi amaldiçoada com a ecolalia. Eco não podia falar, estava fadada a apenas repetir as últimas palavras daquilo que ouvisse. Sob efeito da ecolalia, caiu de amores por narciso.  A ninfa, por vergonha de sua incapacidade de conversar com o rapaz de forma natural,  não se atreveu a mostrar-se a ele. Narciso percebeu a presença da ninfa e sem saber quem era, conseguia apenas ouvi-la repetindo suas últimas palavras. Sem saber da ecolalia e sem poder  contemplar a face da moça, caiu de amores pela voz de Eco. Entristeceu-se por não vê-la ou tê-la por perto. Tal angústia fez com que ele se aproximasse do rio. Narciso havia sido advertido ao ganhar o dom da beleza, que jamais poderia contemplar sua própria imagem pois se apaixonaria por si próprio. Ao chegar ao lago para chorar de tristeza pela ninfa Eco, viu sua imagem refletida nas águas e apaixonou-se perdidamente. Conforme avisara sua mãe,  apaixonou-se pela imagem a ponto de não perceber que era ele próprio. Queria se juntar aquilo que via com toda suas forças. Mergulhou nas águas pra ter a si mesmo e afogou-se. Eco sentiu muita culpa e vendo a cena jogou-se também no rio sumindo junto com Narciso. Conta o mito, que ela transformou-se e um rochedo e ela, em uma flor. A mitologia não poupa à narrativa nenhum detalhe. Crueldades, castigos, maldições e vinganças se misturam com paisagens naturais, estações do ano, ventos, colheita, flores, rios e fenômenos naturais. A partir desse mito podemos pensar nesse espectro do amor que faz com que nos prendamos à nossa própria imagem e desejo, servindo ao orgulho numa auto-destruição que amaldiçoa e não eleva. Desse amor nasce a vingança,  discórdia , morte.  O amor narcísico é a vaidade vestida de amor, capaz de matar e aprisionar qualquer sincera alma. A vaidade move o homem como força motriz que junto ao orgulho arruína o mais generoso coração. Alguns são incapazes de desenvolver amor ao outro que não seja amor que vê em si mesmo a perfeição que o outro deve alcançar e assim ama apenas seus bajuladores ou seu projetivo “reflexo constante”.

Já amei como uma ninfa,

Já amei narcisos

Já fui Narcisos…

 

Poeticamente posso descrever o estado de amar uma pessoa narcísica, enquanto ouço Monteverdi

Eu  o amava porque o idolatrava com a hipocrisia dos vaidosos

E o amava como quem desfilava o leito do rio Estige

Negando a mim como quem abandona o barco do Caronte desafiando a travessia.

O amava e  fazia da vaidade dele o mote do meu cortejo,

mantendo-o controlado em luxúria e êxtase

mas sem jamais poder revelar-lhe a sua própria imagem de arrogância e desprezo

O amava fazendo eco das suas insanas verdades

para que permanecesse ao meu lado

E o amava que me vi transformada em flor no rochedo

Para que o rio deslizasse por entre minhas peles de pedra

 onde congelei-me na água da realidade

da impossibilidade

de viver

o amor.

      Acabar o ensaio com canções de amor pode parecer um lugar comum, mas de todo o ensaio, a conclusão é que o amor é um grande e prestimoso lugar comum. Então, acabo com uma das canções mais lindas que conheço, fruto do amor de um pai por uma filha, singular em traduzir e expressar o amor… ” Canção pra Jade” ( Toquinho)

Desde quando eu te vi
Tudo ficou mais lindo:
A rua, a lua, o sol no céu luzindo.
Olhando teu olhar,
Ouvindo a tua voz
Chego a não crer,
A me surpreender, feliz, sorrindo.

Estrela singular
Da luz do amor nascida.
Antieclipse lunar da minha vida.
A cada passo teu
Segue meu coração,
Por entre os móveis,
Calçadas, parques e avenidas.

Viva cada instante, viva cada momento,
Proteja da razão teu sentimento.
Tente ser feliz enquanto
A tristeza estiver distraída.
Conte comigo
A cada segundo dessa vida.

E o tempo vai passar
Ao longo dessa estrada.
Novas estórias lhe serão então contadas.
E você vai crescer,
Sonhar, sorrir, sofrer
Entre vilões, moinhos, dragões e poucas fadas.

https://pxhere.com/pt/photo/163890

 

 

Um mar de Lágrimas

 

Ainda possuo alguma liberdade de ir e vir; tenho uma boa cama, lençóis macios para dormir e bom ânimo.

    Atravessar a fronteira do meu país foi mais fácil que pensei.

    Não falo da fronteira territorial mas da ideia de “vencer a fronteira”. Como uma espécie de guerrilheiro, me coloco à prova da coragem para atravessar o terrritório da cultura e da língua. Ratifiquei o que eu já sabia: Minha facilidade de me comunicar transcende o idioma e as diferenças culturais.

    Montevidéo possui uma arquitetura velha, cheia de oponência e beleza. As pessoas aqui me parecem mais ensimesmadas e é como se houvesse uma certa resignação usada pelas pessoas ao conversarem. O tom de voz  que escuto nas conversas que tento espionar é apenas o necessário para alcançar o interlocutor alvo, o que me frustra.

Comprei um livro infantil 

        Me identifiquei com o tema de um livro infantil que achei em uma livraria. Gostei da poética da história, dos desenhos…

Ao ler estranhei duas palavras que, à princípio, não encaixavam na sentença. “Pena” e “estrujar”. Eram temas chave para que eu entendesse o fim da narrativa, que era um tanto quanto lírica e metafórica . Resolvi perguntar ao vendedor de livros da livraria que ficava bem no meio do saguão do Teatro Solís. “Pena”, segundo ele seria uma espécie de tristeza misturada com saudade. Já ” estrujar”, esmagar e oprimir por dentro.  Além de entender a história me comovi com o singelo desfecho e comprei o referido livro por 440 pesos.

      Antes de entrar no vistoso teatro atrás de ingressos já esgotados e antes de encontrar o livro sobre o mar de lágrimas de Emma, passei por uma praça.  Havia um evento público, algo natural como uma batalha de rap no Brasil. Nesse evento, velhos e velhas dançavam tango como seus pares ou com quem quisesse dispor de uma dança descontraída. Deixei-me dançar. Dei-me a um senhor que me conduziu com de forma leve e eficiente. Ao sair da dança me direciono ao bonito teatro e tenho um encontro: Prólogo do livro que eu viria a comprar…

       O encontro

Uma mulher de meia idade, sem dentes com um cachecol amarelo me aborda na praça em frente ao teatro. Pede moedas para comer e dar comida ao seus filhos. Pede muitas vezes ao senhor ao meu lado e demora a olhar para mim. Após muitas recusas do senhor, ela olha para mim com olhos cheios de lágrimas. Eu, acostumada ao ritual de pedintes no Brasil, efetivo o o ato da recusa. Mas a mulher de meia idade e cachecol mantinha seus olhos grudados em mim e ocorreu-me oferecer-lhe algo.  Concomitante à minha intenção de não ignorá-la, um resto de consciência me dizia que moedas não a tirariam daquele estado, não a tirariam dali e tão pouco colocariam dentes em sua boca. Resolvi num impulso sincero e autêntico, com meu portunhol raso, pedir permissão para dar a ela uma abraço.  Com cuidado e delicadeza a abracei e ela então, deixou-se abraçar. Diferente dos pedintes daqui, ela tinha um perfume suave e gostoso. Era uma mulher magra, limpa e não só aceitou o abraço, como deixou sua cabeça cair sobre meu ombro e chorou muito. Procurei não racionalizar aquele momento, afinal eu estava ali para dar e não para ler o que acontecia. Senti seu calor, seu corpo magro e meu ombro molhar. Em determinado momento, ela suspira e  digo ” ficará tudo bem…” Ela arrisca um último cochicho e diz que tem câncer. Se esse dado era verdadeiro não sei. Sei que seu corpo sendo abraçado por mim era extremamente real. Concentrei-me nisso fui embora sem nada a dizer.

    O livro que comprei em seguida falava de um mar de lágrima e, estranha coincidência: Acabava com um econtro e um abraço.

Só agora 

Ao escrever sobre esses meus breves passos

      Para além da fronteira

é que entendi o acaso

Ser o livro a metáfora em concreto estado

E do meu encontro

estar de certa forma,

      na história já narrado.

Montevidéo, 4 de Março. Praça, Teatro, abraço.

Reticências

         

                                                                    I- Mar

     Corta os punhos, a mulher desavisada do triste destino.

    Como uma lenda triste, a mulher arrebenta os dedos na parede em sinal de discórdia consigo mesma. Vive na prisão de um amor sem rumo, um relógio sem ponteiros, uma estrada sem horizonte.

    Um dia a mulher de dedos arrebentados cruzou a linha do horizonte e não voltou. Bebeu água salgada antes de auto-afogar-se no mar; antes de rascunhar seu suicídio de sal.

    A mulher tonta estava com seus punhos serrados logo depois da areia e antes de deitar-se sobre as ondas e deixar-se morrer, algo suave e sutil a derrubou. Avesso ao que ela queria, o mar  cuspiu seu corpo para fora da água e mesmo com pulmões molhados, a mulher de meio pulso se obrigava agora a respirar. Um sopro de vento ancorou sob sua pele quase afogada e ela precisou recobrar os sentidos há pouco levados pelo mar mas devolvidos pelo mesmo. Estava com o corpo frio; quase trêmula. Como um orgasmo ao avesso ela sentiu de repente, a areia a queimar a sua pele. A areia em chamas sob suas costas molhadas fazia com que o frio de quase morte se fundisse com a quentura do sobreviva…

Há de se recobrar os sentidos antes que o último suspiro da alma se afogue…

Há de se encher o caderno de poesia antes que a última metáfora se mova…

Há de se sentar do alto de um morro para olhar o horizonte e assimilar a imensidão do quase silêncio…

Há de se esgueirar pela fresta e espiar a ultima planta para recordar-se da vida.

                                                                                                     II Portais

Feito furacão a mulher invade a chuva com suas malas feitas de recordações aos pedaços. Não havia mais cola para juntar as missangas caídas e espalhadas no chão. – Conte! – disse a mulher nas portas do inferno transformando sua fúria em uma metáfora dentro do bairro pobre e todo alagado.                                                  Naquele dia juntou seus medos e o demônio ficou contando o estrago que a mulher fez na entrada do pesadelo. Dizem que o diabo  arranhou seu ego na saída, quando tentou buscá-la  para queimar-lhe a pele com seu mal ânimo. Naquele dia rompeu as barragens, quebrou os cadeados. Não havia lógica ao sair na chuva e a chuva alagou todos os cantos em torno da mulher cheia de medo corroído de coragem. Ela seguiu sua marola de fé. Já não havia o que colar. Todo rompante de dor no seu peito agora quebrara de vez e ela resolveu, ao seu modo, dar a tudo um rompimento final.

 

Call Center “Bogotá-Brasil”

Eganoso EU “sujeito” Brasileiro

Bárbara Trelha

Sujeitar-se às barbáries cotidianas e abusos tantos têm sido uma realidade imposta a nós, maior parte dos ‘sujeitos’ (do) ao Brasil.

 

O sonho americano nos ronda sem que ele seja sequer nosso. Não só ele mas as aspirações eurocêntricas de passar férias em Paris e ir à uma igreja em Roma. Essas vontades importadas não sei de quem estão espalhadas por toda parte. Estão, por exemplo, no pé do garoto da favela, representadas no símbolo da Nike do tênis fabricado na China trazido via fronteira do Paraguai para embelezar um pé na base do ‘falsifics ‘, remediando assim a necessidade do cidadão de TER- embora saibamos que no cerne da sua compra deseja apenas SER. E o queremos ser?

Lembrei agora, como que cena de filme em que entra trilha sonora,  da canção “SOMOS QUEM PODEMOS SER”. Nela, escuto ” A vida imita o vídeo /Garotos inventam um novo inglês/ Vivendo num país sedento/ Um momento de embriaguez”.

E nessa coisa de somos quem podemos ser eu começo o objetivo desse texto:

REFLETIR SOBRE AS REAIS FRONTEIRAS CULTURAIS

Brasil X Colômbia começa, na história de todo brasileiro comum, num jogo de futebol. Não somos instruídos a saber mais sobre a Colômbia, que sua geográfica demarcação fronteiriça no mapa. Não há espaço no nosso currículo para sabermos sobre a ‘Cultura Andina’ ou outra similar  porque precisamos decorar como o brasil foi descoberto, sobre o que é a União Européia e sobre as datas todas durante a Revolução Russa. Sabemos sobre peculiaridades de Napoleão Bonaparte mas não sabemos  o peculiar detalhe que o Cajon (tão usado na música Hispânica) é de origem Peruana.

Comecei meu contato com a cultura latino americana pela música. Na vontade ter ter folga mental de teorias musicais que analisam repertórios clássicos ou de estudar a música popular brasileira, resolvi por dois anos consecutivos, estudar a música Latina. Primeiro a música Boliviana e depois a da Venezuela. Algumas descobertas extraordinárias sobre esses lugares como por exemplo, a existência de um carnaval diferente, cheio de sonoridades; a divisão ternária da música venezuelana e suas melodias com marcações rítmicas difíceis de serem cantadas, sobre a delicadeza e forma respeitosa de entender a cultura e produção de flautas feitas pelos artesãos andinos, protegidas por lei na Bolívia como Patrimônio Cultural.  Esbarrei com uma riqueza cultural nada prepotente, nada pobre, muito bela. Isso não desfez meu encanto com o velho continente e suas histórias medievais, mas me acordou para um logo ali… antes do oceano.

Depois dos jogos de futebol e dos dois cursos, um garoto Colombiano bonito  e simpático num Hostel em Bota fogo no Rio de Janeiro, me disse que Brasil e a Colômbia se pareciam. Não vi nele um garoto latino-americano, mas um jovem como eu. Já eu, estranhamente, não me sentia como ele, uma jovem garota latino-americana.

Ainda no curso sobre música Boliviana,  estudei que na Bolívia, na época da colonização, houve um movimento de música barroca que incorporou aspectos sonoro-musicais locais. Eram missas católicas registradas como de autoria de padres europeus, executadas com tambores indígenas. Tudo soando junto às estruturas  operísticas barrocas nos moldes clássicos europeus. Nessa escuta, uma harmonia singular e alguns paradigmas sonoros e culturais sendo instaurados na minha curiosidade.

Mas essa semana fui invadida pela Colômbia!  Não foi em nenhum curso de música Colombiana. Foi um brasileiro que me inseriu Bogotá no campo de visão e resultou nesse texto cheio de referências e reflexões.

Tudo começou quando eu liguei para na Assistência de um site, para saber detalhes sobre o domínio que eu havia comprado. Sobre o domínio deste site intitulado “ensaiosliterarios.com”.

Na minha falta de habilidade com as tecnologias, sempre ligo e tento “ouvir via voz” a informação da qual preciso. Liguei em um telefone fixo com código  (011).  Na conversa, um atendente de call center comum começou a me dar algumas instruções sobre redefinição de senha. Tranquilo, esperava minha inábil cotidiana lentidão com as tecnologias. No meio das tentativas, comentei a ele o quando eu odiava ter que fazer e refazer senhas. O quanto não gostava de tecnologias e ele ria descontraído da minha espontânea forma de falar.  Resolvi furar o protocolo e perguntar de onde ele falava. Em geral pelo sotaque eu identifico a região de onde a pessoa é, mas ali não dava para saber. O que me chamou atenção, era sua forma leve de me atender. Acostumada com tratamento semi robótico e verbetes prontos típicos de atendentes de call center de empresas de telefonia,  fiquei curiosa e perguntei:

-De onde vocë fala?

Ele respondeu prontamente me gerando surpresa:

-De Bogotá!

-Bogotá, Colômbia? – Pergunto eu ainda ” encafifada” com a resposta.

-Sim, falo da Colômbia.

Daí em diante foi impossível não conversarmos mais sobre outras coisas. Quando ele pediu que eu testasse o site para verificar se estava ativo, aproveitei e divulguei a ele meus textos contando o motivo de  ter criado esse espaço.  Também contei a ele sobre a origem de alguns escritos meus publicados no site como ” O Anjo Caído”. Resumi a ele o que do texto era ficcional, e o que do texto era verdade.  Expliquei a ele que o meu conto ” Chuva de Brinquedo” era uma narração auto-biográfica e nada tinha de ficção. Ele foi identificando os textos e parecendo agradar-se disso. Me contou sobre a calma que é morar em Bogotá. Que há segurança e tranquilidade. Falou de como a cidade gira em torno dos cachorros, que as pessoas e seus cães passeiam o tempo todo. Ao fim da gostosa conversa esqueci apenas de perguntar seu nome, mas comentei a ele que talvez escrevesse um texto  sobre nosso encontro.

Antes de iniciar essa escrita, e a narração desse inusitado encontro via call center, senti que precisava ler algo mais sobre Bogotá e cães, Colômbia e  Brasil, algo que me desse uma dimensão mais real desses legares e imagens novas que eu criava na mente enquanto conversava com o atendente. Na minha breve pesquisa, encontrei muita coisa falando sobre drogas, atividade de tráfico na fronteira, mas nada das coisas que eu queria saber: O que de comum esses lugares possuem.

Então em meio ha várias leituras ( um luxo de pré-férias), eu esbarrei em um texto em espanhol muito interessante. Separei um pedaço dele pra ilustrar esse texto,  “roubei” dele uma imagem da Colômbia que gostei, e acrescento por fim a música que me assaltou o instante enquanto fazia essa escrita. Fico por aqui compartilhando que …

                  O inusitado nos atordoa, assalta e nutre o cotidiano,                                               

                     desde que a gente esteja aberto para ele.                                  

Se somente lermos revistas comuns e assistirmos programas formatados de televisão, vamos sempre imaginar lugares não-lugares, pessoas não-reais, sujeitos não-sujeitos e cultura não-cultura. E apesar de mais epistemológico e poético que eu, Sicerone ( autor do artigo abaixo),  na excelente revista “Reflexiones Marginales” ( ISSN 2007-8501), discorre muito mais a fundo algumas questões do sujeito em seu lugar e e em seu não-lugar, do que eu.

Vale a leitura mais do  que do meu texto ensaístico, metido a jornalístico.

Segue o trecho, a referência e uma canção para adornar essas reflexões pré-férias:

” El problema surge cuando queremos reconocer qué sujeto es el que debería llevar a cabo tal empresa revolucionaria. ¿Será el proletariado como expresión de la negatividad del capital en su concepción fenomenológica? ¿Será una multiplicidad de sujetos que compartan la marginalidad? Creemos que hay que suplantar el concepto de sujeto, el cual trae consigo una concepción metafísica del mismo, es decir, se le otorga una cualidad a-histórica y des-contextualizada. Por ello, suplantamos el concepto de sujeto por el de cuerpo, ya que es el cuerpo el elemento que permite definir la ocupación de espacios en la vida social. Son los cuerpos los que bailan, los que se mueven, los que mueren, los que nacen, los que corren, los que nadan, los que sufren, los que se someten a las barbaridades de la vida en la sociedad capitalista, los que fueron sometidos y traídos en barcos desde otro continente para suplantar a los indios que no resistían la barbarie colonizadora de la voluntad de poder que exterminaba en aras de alimentar el monstruo del capitalismo naciente, manchado de rojo sangre por el accionar de los conquistadores que justificaban las matanzas en la creencia de un Dios todopoderoso, pero blanco y europeo, como europeo lo fue Adán y Eva.” ( DANIEL SICERONE)

Texto na íntegra em:

Posibilidades y emergencia de una izquierda libertaria-dionisíaca en América Latina

Somos quem podemos Ser

Engenheiros do Hawaii


Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção
E tudo ficou tão claro
Um intervalo na escuridão
Uma estrela de brilho raro
Um disparo para um coraçãoA vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Quem eram os donos da situação
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem esta prisão
E tudo ficou tão claro
O que era raro ficou comum
Como um dia depois do outro
Como um dia, um dia comum

A vida imita o vídeo
Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem essa prisão

Quem ocupa o trono tem culpa
Quem oculta o crime também
Quem duvida da vida tem culpa
Quem evita a dúvida também tem

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter”

Breve ensaio sobre o medo…

  Muitos e11005721_875207599206197_1507666945_nnsaios têm escapado à minha caneta, à folha. Mas volto aqui como quem retoma o fôlego. Preciso desses ensaios como preciso de ar. Ainda que me pareça um exercício imaterial,  debruço-me a escrever na ânsia que o mundo me tome aos goles, como fossem meus escritos,  água gelada resfriando a alma  do corpo quente.

Quero apenas falar do medo.

Medo é uma palavra de origem latina. Medo é uma palavra de origem humana, de espectro complexo. O medo move e ao mesmo tempo paralisa. Sobre o medo e o amor, rascunhei na categoria POESIA  uma espécie de carta de amor e de medo. O assunto medo, me assaltou o instante literário. Não pela casualidade de sua persistência em vários momentos da minha vida, nem pela permanente aparição  que possui nas relações entre os homens.  Mas foi conduzida pelo impacto das palavras do escritor Mia Couto que surgiu esse gesto literário sobre o medo no trecho…

“ Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura e do meu território. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte, vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.”

( Mia Couto)

  

 

Hora da Despedida

Resolvo inaugurar este blog em outubro de 2015. Um planejamento longo até a concretização responsável de um espaço que pretendo adubar com a dedicação que comparo com a de um escultor sobre a matéria bruta. Logo que resolvo escrever meu texto de apresentação, esbarro com esse texto de José Castelo, em que se despede do espaço “Prosa” do segundo caderno do Jornal O Globo. Lendo suas palavras, não tive mais dúvidas sobre a importância de instaurar mais um lugar de “reduto de resistência”. 

                       Hora da despedida

Por: JOSÉ CASTELLO

Publicado em: 12/09/2015 12:00 – Jornal O Globo

“Chegou a hora de me despedir de meus leitores. Não é um momento fácil, nunca é. Mas ele se agrava porque, com o fechamento do “Prosa”, incorporado ao “Segundo Caderno”, desaparece um último posto de resistência na imprensa do sudeste brasileiro. Os suplementos de literatura e pensamento já não existem mais. Um a um, foram condenados e derrotados pela cegueira e pela insensatez dos novos tempos (…).

Nosso mundo se define pelo achatamento e pela degola. No lugar do diálogo, predominam o ódio e o desejo de destruição. No lugar da tolerância, a intolerância e a rispidez, quando não a agressão gratuita. É o mundo em que todos dizem as mesmas coisas, usando quase sempre as mesmas palavras. Um mundo em que a verdade, que todos ostentam, de fato agoniza. Nesse universo, a literatura se impõe como um reduto de resistência. A literatura é o lugar do diálogo, do múltiplo, da diferença. Não é porque gosto de Clarice que devo odiar Rosa. Não é porque amo Pessoa que devo desprezar Drummond. Ao contrário: na literatura (na arte) há lugar para todos.

Nesse mundo de consensos nefastos e de clichês que encobertam a arrogância, nesse mundo de doloroso silêncio que se apresenta como gritaria, a literatura se torna um lugar cada vez mais precioso. Nela ainda é possível divergir. Nela ainda é possível trocar ideias com lealdade e dialogar com franqueza. Sabendo que o diálogo, em vez de sinal de fraqueza, é prova de força. Lá se vai o “Prosa” com tudo o que ele significou de luta e de aposta na criação.

A meus leitores, que me acompanharam lealmente durante mais de oito anos, só posso dizer obrigado. E dizer, ainda, que conservem a coragem porque a pluralidade e a liberdade vencerão o escândalo e a cegueira. Apesar de tudo o que se diz e de tudo o que se destrói, ainda acredito muito no Brasil. É com essa aposta não apenas no futuro, mas sobretudo no presente, que quero me despedir de minha coluna e encerrar esse blog. Aos leitores, fica a certeza de que certamente nos encontraremos em outros lugares. Nem a loucura do nazismo, com suas fogueiras de livros, conseguiu destruir a literatura. Não tenho dúvidas também: nesse mundo de estupidez e insolência, ela não só sobreviverá, como se tornará cada vez mais forte”.

Texto original na íntegra em:

http://blogs.oglobo.globo.com/jose-castello/post/hora-da-despedida.html