Todos os dias antes de dormir oro em agradecimento. Toda noite envio a Deus minhas indagações.
Toda noite envio a Deus minhas indagações sobre o porquê de você estar em minha vida e em seguida entrego a um ser supremo o rumo de tudo; ser esse a quem delego os mistérios que minha consciência não responde.
Durante as orações acalmo minha ânsia de controlar a vida e seu fluxo interminável e ansiolítico.
Depois durmo.
Ao acordar, remonto quebra cabeças internos. Não sei porque essa coisa de pensamento metalinguístico me atormenta tanto, ao mesmo tempo que me parece tão pertencente e permanente em mim.
O que falo, às vezes, é que procuro em nossa relação alguma dialética que forme sentido. Os sentidos começam a esfumaçar. Porém, ao experimentar o esvaziamento dedutivo, surgem uma sequência de rompantes e forças emocionais que me reconectam com você e com a experiência de uma relação supostamente cheia de vida.
Apesar dessas idas e vindas do meu eu, me chama a atenção que meu racionalismo calmo, prudente e justo, começa a ser invadindo muito sutilmente por um ambiente de pessimismo e renegação. Começo olhar as frestas que não vazam, o que não flui. Talvez sejam os temores, mas eles não aparecem como fantasmas. Parecem (seres) sercientes de lucidez e não de terror. É difícil e árduo é quase estático combatê-los.
O que falo nesse sermão, além da tonta- talvez tola- mania de em um devaneio absurdamente literário, me coloca em chamas a palavra. Nada que escrevo parece dar conta do indizível que é aprender novamente amar.
Então sempre escambo com a poesia. A prosa cede, a metáfora se instaura e eu volto a sonhar, rimando com meu indizível desejo de te amar.
Pensar em te deixar;
esse cometido pecado humano.
A terra
Esse pedaço firme de pano
Volúvel;
é o tempo me costurando.
Não entendo como a dualidade se instaura. Houve um tempo em que ela era tortura. Hoje ela só é sombra. Ando a pensar que em toda luz há uma sombra que se joga à superfície. Que em toda luz há uma sombra que se exime de ser o tema principal do conflito. Mas não queria falar de sombras, embora eu recaia nesse tema nostálgico e dolente.
Quando estamos juntos a luz se evidencia.
Talvez porque contrapondo-se à minha inclinação natural à sombra, meus sentidos me conduzem a uma leitura mais clara do meu eu. Porém, acabado o tempo, vejo-me sugada por um temor contínuo. Uma espera mórbida do dia da morte, como se fosse ela anunciada. Acho que resisto ao luto. Acho que resisto ao fechamento de ciclos como quem defende um brinquedo a todo custo, numa grande brincadeira envolvendo muitas crianças, dividindo seus lugares. Fico ansiosa, na imprecisão das minhas angustiadas sensações. Sensações por ver o tempo passar, como se eu não saísse do mesmo lugar. Essa sensação de estaticidade é estúpida. Se eu pudesse romper com esse fluxo de contenção… viveria livre dos embates dialéticos de dentro de mim.
Chega a noite.
De novo.
Vou dormir.
E em uma fé de fluxo contínuo, agradeço. Aceito as respostas do dia que passou e aceito de um Deus supremo, que a tudo observa com vasta barba branca-azulada, o rumo incerto do destino.
Durmo;
e me acalmo do escuro que havia em mim.