Breve ensaio sobre o medo…

  Muitos e11005721_875207599206197_1507666945_nnsaios têm escapado à minha caneta, à folha. Mas volto aqui como quem retoma o fôlego. Preciso desses ensaios como preciso de ar. Ainda que me pareça um exercício imaterial,  debruço-me a escrever na ânsia que o mundo me tome aos goles, como fossem meus escritos,  água gelada resfriando a alma  do corpo quente.

Quero apenas falar do medo.

Medo é uma palavra de origem latina. Medo é uma palavra de origem humana, de espectro complexo. O medo move e ao mesmo tempo paralisa. Sobre o medo e o amor, rascunhei na categoria POESIA  uma espécie de carta de amor e de medo. O assunto medo, me assaltou o instante literário. Não pela casualidade de sua persistência em vários momentos da minha vida, nem pela permanente aparição  que possui nas relações entre os homens.  Mas foi conduzida pelo impacto das palavras do escritor Mia Couto que surgiu esse gesto literário sobre o medo no trecho…

“ Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura e do meu território. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte, vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.”

( Mia Couto)

  

 

Carta de amor e medo…

 

    Tenho medo de te amar mais do que devia e, embora o amor não devesse obedecer regras e nem devesse possuir deveres, meu medo ainda se manifesta, indevido.DSC07034

A cada gole de amor que minha alma bebe ao estar ao seu lado, sinto medo                                              de inundar-me da falta completa de medo.

Olhar-te imperfeito me causa medo das minhas imperfeições.
Nossas impermanências me fazem lembrar que nada é plano nesse horizonte de medo e  oscilações, lugar cheio de lugares sombrios e escondidos.

Ao lembrar que o amor emancipa a alma, percebo que o que temo seria então, a liberdade. Pergunto-me atônita, por que a liberdade geraria medo? A liberdade que desamarra essas algemas tecidas de lã, nas agulhas cuidadosas do tempo. Essa liberdade que ameaça esse comboio chamado medo.

Não temo a morte. Diferente de tanta gente que conheço. Temo apenas que a memória se vá. Temo que a história da minha  vida vire um grande borrão de lápis recém apagado numa folha que se amassa aos poucos na rasura de uma borracha ruim.

Talvez por isso eu escreva. Como uma espécie de garantia de permanência, faço da escrita meu  rastro. No medo contante de me ver apagada no tempo, as palavras são como marcas no tempo. Embora a genética seja obviamente a forma mais concreta de permanência, é na escrita que sigo exitando, e no tremor de cada palavra, vencendo-me a cada medo.

Eu sentia mais medo antes de você chegar. Com seu olhar seco de realidade foi me trevelando meus próprios segredos.

Na falta de potência no meu medo,

a folha em branco se dobra

me acolhe

Se abre

Sem medo.

O medo tem desistido de ficar entre nós

E, por mais que uns intantes

entre eu e você

já quase não há medo.

Texto de Bárbara Trelha

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( Ilustração: Mia Couto em ” A Confissão da Leoa” )