I- Mar

     Corta os punhos, a mulher desavisada do triste destino.

    Como uma lenda triste, a mulher arrebenta os dedos na parede em sinal de discórdia consigo mesma. Vive na prisão de um amor sem rumo, um relógio sem ponteiros, uma estrada sem horizonte.

    Um dia a mulher de dedos arrebentados cruzou a linha do horizonte e não voltou. Bebeu água salgada antes de auto-afogar-se no mar; antes de rascunhar seu suicídio de sal.

    A mulher tonta estava com seus punhos serrados logo depois da areia e antes de deitar-se sobre as ondas e deixar-se morrer, algo suave e sutil a derrubou. Avesso ao que ela queria, o mar  cuspiu seu corpo para fora da água e mesmo com pulmões molhados, a mulher de meio pulso se obrigava agora a respirar. Um sopro de vento ancorou sob sua pele quase afogada e ela precisou recobrar os sentidos há pouco levados pelo mar mas devolvidos pelo mesmo. Estava com o corpo frio; quase trêmula. Como um orgasmo ao avesso ela sentiu de repente, a areia a queimar a sua pele. A areia em chamas sob suas costas molhadas fazia com que o frio de quase morte se fundisse com a quentura do sobreviva…

Há de se recobrar os sentidos antes que o último suspiro da alma se afogue…

Há de se encher o caderno de poesia antes que a última metáfora se mova…

Há de se sentar do alto de um morro para olhar o horizonte e assimilar a imensidão do quase silêncio…

Há de se esgueirar pela fresta e espiar a ultima planta para recordar-se da vida.

                                                                                                     II Portais

Feito furacão a mulher invade a chuva com suas malas feitas de recordações aos pedaços. Não havia mais cola para juntar as missangas caídas e espalhadas no chão. – Conte! – disse a mulher nas portas do inferno transformando sua fúria em uma metáfora dentro do bairro pobre e todo alagado.                                                  Naquele dia juntou seus medos e o demônio ficou contando o estrago que a mulher fez na entrada do pesadelo. Dizem que o diabo  arranhou seu ego na saída, quando tentou buscá-la  para queimar-lhe a pele com seu mal ânimo. Naquele dia rompeu as barragens, quebrou os cadeados. Não havia lógica ao sair na chuva e a chuva alagou todos os cantos em torno da mulher cheia de medo corroído de coragem. Ela seguiu sua marola de fé. Já não havia o que colar. Todo rompante de dor no seu peito agora quebrara de vez e ela resolveu, ao seu modo, dar a tudo um rompimento final.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *