( Uma proposta de acessibilidade à deficientes visuais e pessoas sem letramento)
Ficha técnica:
Música ‘Miau’: Bárbara Trelha, Arranjo e execução de violino– Davys E. Espíndola. Contrabaixo- ClóvisMartins Guitarra/Violão- Piero D. Nossol , Gravação: Estúdios Decibel, Revisão de áudio: Produsom, Vozes dos Personagens: Narradora– Ana Carolina M. Coan, Clara– Maria Eduarda Bras, Mãe de Clara– Bárbara Trelha, João– João Victor Gomes de Queiroz, Gato: Fabrício Sfredo, Diretora– Geovania Ramos, Túlio– kuro, Professora- Isadora Trelha Matias. Coro de Crianças:Alunos da EBM José Amaro Cordeiro (2017).
Livro desenvolvido com fomento da CAPES durante o curso de pós graduação Profissional em Artes da UDESC-SC/2016-2018.
Considerações:
O material abaixo foi desenvolvido após dois anos e meio de pesquisa e processo de criação. Orientado pela Prof(a). Dr(a) Teresa Mateiro – Prof-Artes /UDESC- o livro dialoga com um artigo científico e com um planejamento pedagógico curricular de música sobre literatura, educação musical e leitura compartilhada. A pesquisa e concretização desse material só se deu devido ao fomento da CAPES e apoio da equipe técnica descrita no livro. Os alunos curriculares de música fizeram parte da criação do material como consultores diretos e como cantores – dublagem no áudio book.
“Penso que talvez a alma humana não possua limites para amar…”
introdução
Ouço muita ladainha em torno do assunto ‘amor’. Uma das falas mais comuns é sobre a existência de um amor maior que nos santifica de alguma forma. Um amor altruísta e edificante, capaz de purificar qualquer alma pecaminosa. Menos comum, ouço sobre outras formas de pensar o amor. Um exemplo é o amor visto do ponto de vista da neurociência. Ela o percebe como uma série potente de ligações sinápticas ditadas por experiências específicas. Também pouco se fala do amor sob um aspecto mais biológico. Para a biologia o amor pode ser essencialmente guiado por hormônios que aproximam os corpos uns dos outros- por meio dos feromônios- com finalidade única de perpetuação da espécie. Dentre tantas possibilidades de leitura, há quem olhe também para os efeitos do amor na alma. Desconhecemos os mistérios da alma e seus códigos de funcionamento. Como os estudos da alma não cabem ainda nas mãos da lógica científica, ficamos à deriva, em observação. O ser humano logrou ao longo dos tempos a capacidade de imprimir a um conjunto de afetos um único nome: AMOR. Essa pequena palavra encerra em si uma variedade absurda de significados que se formam a partir de inúmeras sensações. São multi combinações fenomenologicamente inexplicáveis como o próprio tempo o é. O fato é que desconhecemos o fenômeno ‘amor’ na sua inteireza tanto quanto desconhecemos as milhões de galáxias espalhadas no cosmo. Mesmo quando falamos dos mistérios da criação, o amor é capaz de aparecer como um ingrediente deidificado, afinal Deus é também fonte de amor para os seres humanos. Na ânsia de dar organicidade ao amor e expressar as inúmeras formas de manifestação desse sentimento, usamos a linguagem. Por se tratar de ser mais complexo que a língua, o amor acabou levando homens a buscar formas mais apropriadas de expressão. Formas linguísticas que transcendessem a simples comunicação social. Isso acontece quando conseguimos estabelecer uma relação semântica com o mundo do inefável. É quando surge a ARTE, fruto de um bom casamento entre as experiências das linguagens com as coisas do indizível. Nela, a aproximação do homem às coisas que lhe fogem à exatidão conceitual, mas que ao mesmo tempo o invadem. A arte, na sua premissa libertária de natureza ontológica, nos aproxima das coias que não conseguimos nominar. A arte naturalmente confere ao amor possibilidades de forma, cor, som, harmonia e sentido. Dá contornos às coisas humanas mais complexas e misteriosas. A arte possui uma semântica própria para representar as coisas não decifráveis e de maneira intertextual, consegue desembaraçar as faces do amor. O poeta Percy Shelley em seu ensaio sobre o amor, o descreve como ” o laço e a confirmação que conecta não somente o homem ao homem, mas a tudo que mais existe.” A imensidão desse assunto me me toca por ser o amor o combustível vivo de toda minha existência. Decidi escrever sobre meus devaneios acerca do amor em foma de ensaio. Decidi isso depois que meu filho mais velho, um dia desses, me abordou perguntando por quê o assunto amor aparecia tantas vezes em minhas canções. Eu disse a ele que me sentia assim: em repetidos estados de amor. Após a resposta, me beijou a face de forma amorosa e, sorrindo, disse que já sabia. Resolvo escrever esse breve ensaio sobre o amor por me sentir muito amorosa e ao mesmo tempo tão distante do amor. Amar, na minha história, sempre foi um duelo interno. Permanecer no amor, uma constante luta entre trevas e luz, sombra e sol. Publicarei esse ensaio em partes. Os intervalos de tempo servirão para que o leitor possa fruir junto com o ensaísta, seus próprios devaneios acerca do amor.
“Penso que talvez a alma humana não possua limites para amar…”
Introdução
Ouço muita ladainha em torno do assunto ‘amor’. Uma das falas mais comuns é sobre a existência de um amor maior que nos santifica de alguma forma. Um amor altruísta e edificante, capaz de purificar qualquer alma pecaminosa. Menos comum, ouço sobre outras formas de pensar o amor. Um exemplo é o amor visto do ponto de vista da neurociência. Ela o percebe como uma série potente de ligações sinápticas ditadas por experiências específicas. Também pouco se fala do amor sob um aspecto mais biológico. Para a biologia o amor pode ser essencialmente guiado por hormônios que aproximam os corpos uns dos outros- por meio dos feromônios- com finalidade única de perpetuação da espécie. Dentre tantas possibilidades de leitura, há quem olhe também para os efeitos do amor na alma. Desconhecemos os mistérios da alma e seus códigos de funcionamento. Como os estudos da alma não cabem ainda nas mãos da lógica científica, ficamos à deriva, em observação. O ser humano logrou ao longo dos tempos a capacidade de imprimir a um conjunto de afetos um único nome: AMOR. Essa pequena palavra encerra em si uma variedade absurda de significados que se formam a partir de inúmeras sensações. São multi combinações fenomenologicamente inexplicáveis como o próprio tempo o é. O fato é que desconhecemos o fenômeno ‘amor’ na sua inteireza tanto quanto desconhecemos as milhões de galáxias espalhadas no cosmo. Mesmo quando falamos dos mistérios da criação, o amor é capaz de aparecer como um ingrediente deidificado, afinal Deus é também fonte de amor para os seres humanos. Na ânsia de dar organicidade ao amor e expressar as inúmeras formas de manifestação desse sentimento, usamos a linguagem. Por se tratar de ser mais complexo que a língua, o amor acabou levando homens a buscar formas mais apropriadas de expressão. Formas linguísticas que transcendessem a simples comunicação social. Isso acontece quando conseguimos estabelecer uma relação semântica com o mundo do inefável. É quando surge a ARTE, fruto de um bom casamento entre as experiências das linguagens com as coisas do indizível. Nela, a aproximação do homem às coisas que lhe fogem à exatidão conceitual, mas que ao mesmo tempo o invadem. A arte, na sua premissa libertária de natureza ontológica, nos aproxima das coias que não conseguimos nominar. A arte naturalmente confere ao amor possibilidades de forma, cor, som, harmonia e sentido. Dá contornos às coisas humanas mais complexas e misteriosas. A arte possui uma semântica própria para representar as coisas não decifráveis e de maneira intertextual, consegue desembaraçar as faces do amor. O poeta Percy Shelley em seu ensaio sobre o amor, o descreve como ” o laço e a confirmação que conecta não somente o homem ao homem, mas a tudo que mais existe.” A imensidão desse assunto me me toca por ser o amor o combustível vivo de toda minha existência. Decidi escrever sobre meus devaneios acerca do amor em foma de ensaio. Decidi isso depois que meu filho mais velho, um dia desses, me abordou perguntando por quê o assunto amor aparecia tantas vezes em minhas canções. Eu disse a ele que me sentia assim: em repetidos estados de amor. Após a resposta, me beijou a face de forma amorosa e, sorrindo, disse que já sabia. Resolvo escrever esse breve ensaio sobre o amor por me sentir muito amorosa e ao mesmo tempo tão distante do amor. Amar, na minha história, sempre foi um duelo interno. Permanecer no amor, uma constante luta entre trevas e luz, sombra e sol. Publicarei esse ensaio em partes. Os intervalos de tempo servirão para que o leitor possa fruir junto com o ensaísta, seus próprios devaneios acerca do amor.
Do amor cultural às canções
O amor cultural ao qual me refiro, se entrelaça com o conceito de “par”. O duo, o casal, a junção de dois seres. Se pensarmos que dois seres nunca serão um, que uma unidade composta de duas pessoas diferentes sempre estará prenhe de contrastes, o conceito de par possui dentro de si inúmeros rabiscos de dualidade. Nossa civilização ocidental não costuma lidar de forma eficiente com essa coisa da dualidade. Diferente das filosofias orientais que compreendem a relação intrínseca entre luz e sombra, fundo e figura, tudo e nada, nós -os ocidentais infelizes- gostamos de finais de filme onde tudo acaba em felicidade. Pensando em um casal como uma ideia de unidade institucionalizada ao longo dos tempos, penso que, na nossa cultura, ela possa ter se preenchido de outros aspectos das relações: A ideia de controle e a prática da opressão. A forma como a maioria dos casais instituídos vivem, muitas vezes divergem completamente de uma relação supostamente amorosa. Quando recebemos a ideia de casal e em seguida, a ideia de namoro, de noivado e de casamento, mesmo que em formatos e com nomes diferentes, todas vêm acompanhadas na prática da essência dual. Essa dualidade permanente é a essência de uma relação a dois. Contrário ao que a cultura propões massivamente (felizes para sempre), os pares formados a partir dessa proposta e pautados nela, comumente se encontram em estado de guerra, experienciando ambiguidades infinitas, caóticas experiências quebradas, fragmentando-se a cada bom dia repetido e tedioso. Ilustraria essa ideia coma canção Cotidiano de Chico Buarque mesmo podendo parecer clichê. ” Toda dia ela faz tudo sempre igual/ Me sacode às seis horas da manhã/ Me sorri um sorriso sempre igual / E me beija com a boca de hortelã.” De forma sutil, à primeira audição da letra, o ouvinte pode ser levado à sensação gostosa de uma vida a dois, com cenas de cuidado e até o sexo ligado ao amor, quando ao final da noite quando ele fala: “Toda noite ela diz pr’eu não me afastar/ Meia-noite ela jura eterno amor/ E me aperta pr’eu quase sufocar/ E me morde com a boca de pavor”. Conforme a música se repete, o tem cotidiano e suave começa a ficar enfadonho e quase angustiante. O próprio arranjo da canção propõe zonas de tensão harmônica que reforçam tensão. A canção é um gênero que une palavra a uma atmosfera afetiva. A música possui um certo “poder” quando consegue deslocar a força da palavra à outros lugares semânticos expressivos. A gente pode ter uma letra ( poesia) amável e doce num ‘texto melódico’ pesado e arranjo musical mais explosivo. Na canção e a palavra pode ter seu efeito alterado ou moldado. Eu costumo dizer aos meus alunos de interpretação vocal, que há de se observar a natureza desses dois textos. Quando o compositor respeita a natureza de ambos e não submete um ao outro, a canção ganha potência. O contrário, quando um dos elementos anula ou enfraquece o outro, a música não alcança essa unidade e é como um casal, ela fica dual em algum ponto. A arte busca a harmonia e um casal nunca a alcança completamente. Aí talvez a função da arte, entre tantas. Quando atinge a complementariedade simultânea e “perfeita” de elementos, ela causa êxtase, atravessa a alma. Voltando à institucionalização do amor em formatos sociais, falemos do casamento. Não menos assertivo, Chico tem também a canção ” Casamento dos Pequenos Burgueses” do musical ‘Ópera do malandro’ de 1978, onde usa humor e uma pitada de realismo para falar de um casal que passa a vida juntos por motivo adverso mas nada ligado ao amor verdadeiro. Aliás esse musical aborda muitas nuances das relações tanto amorosas quanto de poder, passando por questões e tabus quase intocáveis na nossa sociedade politicamente correta.
Assumindo essa contrariedade entre o que é ‘vendido’ e o que é vivido, podemos separar a expectativa pautada no que dita a cultura. Com isso podemos separar o que seja um amor institucionalizado dentro de um conceito falido com propostas políticas, e o que seja a realidade amorosa de um casal ( seja homem com homem, mulher e homem, pai e filho, casal de irmãos ou outros). Vou escrever, no próximo item, sobre o amor no sentido mais amplo, o amor que reside na superação e transcende os aspectos enganosos da ideia de casal. Mas antes devemos ainda passear pelos corpos…
Da biologia intrínseca
Homens e mulheres, afora a junção perfeita dos respectivos gametas, não foram feitos um para o outro. Mulheres em geral são mais felizes perto de outras fêmeas e homens perto de seus machos camaradas e de seu bando super estimado e auto-protetor. Fêmas por sua vez, embora não compartilhem da “broderagem” dos machos e códigos de honra quase inabaláveis, compartilham da necessidade quase instintiva de privadas limpas, de conversas extensas acerca de tudo e com todos, onde os requintes de detalhes sustentam a complexidade da qual nascem, da qual pertencem e da qual muitas vezes padecem. A linguagem para as fêmeas é a mais alta ferramenta de elo. Para os homens o silêncio reina e sustenta códigos de honra e lealdade: estruturas mais fundantes. Quando quebrados os códigos masculinos , machos resolvem “na mão” seus por menores. Eles ainda assistem MMA (Mixed Martial Arts) , vão à partidas de futebol, ou ainda, investem tempo e dinheiro em aplicação em bolsas de valores ou mesmo em processos judiciais que são polidores naturais dos instintos primitivos de lutar até vencer o inimigo. O fato é que seja “na mão”, ou pela lei escrita, a regra em que o mais forte vence de alguma forma, prepondera e permanece no inconsciente masculino. O macho perdedor em geral, é banido do grupo, coisas que fêmeas não costumam fazer pois não vivem uma relação com seu grupo, de pertencimento leal. Fêmeas se permitem elos e inter-elos sem perderem a noção de individualidade. Mantém a capacidade de trocar a qualquer momento de bando, cidade, país, adotando e sendo adotada por diferentes territórios. Mas se a maior parte do amor é fruto de construções culturais e biológicas, onde reside o real amor?
Do amor e sua morada
O mais elevado dos pensadores, o físico mais renomado, o astronauta mais auspicioso, o mais sensível dos poetas, o mais consistente dos dramaturgos, todos eles poderiam descrever o estado de amar. No entanto qualquer pessoa de costume simples, sem erudição ou mesmo com comprometimentos neuro-funcionais é capaz de sentir-se amada e de amar pois que todas pessoas são capazes de acessar o amor. O difícil talvez seja enumerar as diferentes e possíveis formas de amar. Como as inúmeras estrelas e galáxias, é impossível mapear esse sentimento por conta da complexidade dos seres humanos e de suas múltiplas combinações nervosas e – acrescento- sensíveis, biológicas e culturais. Resta então elencar esse amor mais sublime. E para isso encorajo-me a dizer que ” amar é a única experiência capaz de criar a ideia de Deus e propiciar a experiência com a divindade, com o sagrado”. O Deus humano bebe nos diferentes tipos e manifestações de amor a sua potência de ação entre os homens. Por se tratar do MEU ensaio, declaro que o amor mora no caos do ser humano e, ao mesmo tempo, na sua eternidade. O amor explica e constitui os elos que não se desfazem. Reside nas coisas e eventos que se sobrepõem ao tempo, aos ventos, às dimensões, ao espirito. Um amor seria capaz de atravessar vidas? Pouco provável dado o instinto de apego que temos a quem somos no presente, mas eu não diria que é impossível. Penso que o amor se sobrepõe à matéria e ao corpo físico. É com essa teoria que explico um homosexual do sexo masculino amar uma mulher de verdade e um homem heterosexual ser capaz de amar outro homem. Amor nada se relaciona com perpetuação das espécies. Somos muito provavelmente bissexuais por natureza, pois a libido existe a partir de um elo e esse elo pode surgir com vários formatos e com várias nuances, ditada única e exclusivamente pelo conjunto de necessidades e/ou experiências positivas que passamos a ter com cada ser na terra. Quando o amor nasce do conjunto de necessidades ou experiências negativas, temos um amor perverso, que à priori funciona de igual maneira para que o possui porém impacta de forma muito adversa os meio onde aparece. De todo jeito, fica claro aqui como as formas de amor helicoidais.
Dos amores
Acordo com dois amores no peito.
Um me lembra dos desenganos de amar,
o outro imprimi ao momento, uma presença etérea.
Amo um alguém como nunca amei. Essa frase é cem por cento verdadeira. Nunca amamos da mesma forma. Mudamos a todo instante. Bilhões de estrelas se extinguindo no universo e a cada momento de renovação celular, o homem se perpetua no estado de amar. Na cultura em que vivemos podemos dar nome aos nossos amores. Eu particularmente, elejo alguns amores ao status de “almas companheiras”. Uma alma companheira não depende e nem pede corporeidade. A presença desse amor dentro da minha alma, tem tanta potência que não precisa de convívio, razão, ou contato físico, sequer contato. É uma experiência única onde elos flutuam enquanto as almas seguem suas relações menos sagradas. Quando abraço uma alma companheira, descanso o espirito e recarrego ele para a jornada longa da eternidade. Poucas coisa se aproximam dessa experiência. A música as vezes consegue chegar perto de definir isso, a dança imita o movimento e a poesia o descreve o estado de torpor amoroso com as metáforas. A arte garante ao ser humano de forma única concretizar essa experiência tão humana.
Amar em tempos de capitalismo
O amor aculturado nada tem de amor , muito tem de business. Junto da ideia de casal vem a da monogamia, a do amar para sempre e a ilusória da segurança no elo fruto do amor. Nenhum elo é estável, amar é por essência o balançar na corda bamba. Perseverar no amor é manter-se na corda, voltando depois de cada queda. Não quer dizer que as cordas do amor não possam ser rompidas. As escolhas ditam em quais cordas andaremos e quais deixaremos para trás, e também aquelas que se instalarão permanentes em nosso íntimo. Desdobramentos do amor também existem. Outros sentimentos podem surgir no lugar dele. Muito próximo ao amor está o ódio, sentimento capaz de ruir a alma. O ódio é uma das manifestações sombrias do amor e não é menos potente. Ele tem suas raízes nos sentimentos ególatras podendo ser entendido como um sentimento retro-egoico. Ao negar a oscilação que o amor causa na alma, ao negar o impacto transformador sem precedentes que o amor pode implicar em uma pessoa, o ódio -ego centrado- e o egoismo costumam surgir com vigor. Tão aniquilador quanto amoroso, o ódio busca eliminar o caos, dar fim ao êxtase e instituir a estabilidade por meio do controle, por meio do ‘casal’ , do ‘casamento’, do ‘namoro’, do ‘noivado’… A simbiose eterna, apegada à forma e nada ligada à essência, como se fosse possível instituir grades invisíveis em torno do abjeto amado o deslocando para lá e para cá conforme nos seja mais conveniente. Lembro agora do livro “De Pessoa a Pessoa” ( Hicner) onde esclarece sobre relações Eu-Tu e Eu-Isso, baseado no pensador Matin Bubber.
Outros tipo de amor
Entrando no campo do anti amor, falaremos das sombras do amor, dos amores insanos e afins. Esses são mais conectados com a pele, vias dérmicas. Alguns amores são mantidos pelo tato, olfato, paladar e ouvidos. Amar o corpo do outro de forma insana é como beber repentinamente muita água em dia de calor após uma corrida: enquanto se bebe água, seguramos a falta de fôlego para seguir engolindo água de forma afoita até que o estômago anuncie o exagero e a pessoa tenha por garantida a sobrevivência e o prazer da saciedade. Tem o amor egoísta, mas esse merece um escrito à parte porque ele é muito ancestral e aparece nos mitos de forma muito clara.
Do amor de Narciso
Busquei no mito de Narciso explicação para o amor egoísta: o grande vilão da atualidade. Poucos escapam dessa forma de amor: o amar a si mesmo. Amor venerado, regado a uma sutil auto idolatria. Amar o espelho e desprezar qualquer forma que não se assemelhe ao reflexo de si é também uma forma de amar. Talvez um pouco deformado, esse amor egoico é uma espécie de amor próprio em doses altas demais, incitando a vaidade que é aliás um dos sete pecados capitais.
Conhecendo a história de Narciso, ficamos sabendo que ele era um jovem muito bonito e jamais poderia olhar a própria beleza sob o perigo de perder o controle de seus sentimentos. Junto ao atributo da beleza, Narciso também possui prepotência e arrogância. Conta o mito que certo dia a ninfa Eco se aproximou do jovem apaixonando-se pela beleza do rapaz conforme acontecia com todas pessoas.
Imagem retirada do site: https://thebooksguardian.altervista.org/la-leggenda-di-eco-e-narciso-da-dove-viene-il-termine-narcisismo/
Essa ninfa de voz encantadora, no momento em que se apaixona por narciso, estava sob efeito de uma maldição: a ecolalia. Hera, a mulher de Zeus, amaldiçoara essa ninfa porque ela havia ajudado Zeus- marido de Hera- a escapar da sua esposa após traí-la com outras ninfas. Foi amaldiçoada com a ecolalia. Eco não podia falar, estava fadada a apenas repetir as últimas palavras daquilo que ouvisse. Sob efeito da ecolalia, caiu de amores por narciso. A ninfa, por vergonha de sua incapacidade de conversar com o rapaz de forma natural, não se atreveu a mostrar-se a ele. Narciso percebeu a presença da ninfa e sem saber quem era, conseguia apenas ouvi-la repetindo suas últimas palavras. Sem saber da ecolalia e sem poder contemplar a face da moça, caiu de amores pela voz de Eco. Entristeceu-se por não vê-la ou tê-la por perto. Tal angústia fez com que ele se aproximasse do rio. Narciso havia sido advertido ao ganhar o dom da beleza, que jamais poderia contemplar sua própria imagem pois se apaixonaria por si próprio. Ao chegar ao lago para chorar de tristeza pela ninfa Eco, viu sua imagem refletida nas águas e apaixonou-se perdidamente. Conforme avisara sua mãe, apaixonou-se pela imagem a ponto de não perceber que era ele próprio. Queria se juntar aquilo que via com toda suas forças. Mergulhou nas águas pra ter a si mesmo e afogou-se. Eco sentiu muita culpa e vendo a cena jogou-se também no rio sumindo junto com Narciso. Conta o mito, que ela transformou-se e um rochedo e ela, em uma flor. A mitologia não poupa à narrativa nenhum detalhe. Crueldades, castigos, maldições e vinganças se misturam com paisagens naturais, estações do ano, ventos, colheita, flores, rios e fenômenos naturais. A partir desse mito podemos pensar nesse espectro do amor que faz com que nos prendamos à nossa própria imagem e desejo, servindo ao orgulho numa auto-destruição que amaldiçoa e não eleva. Desse amor nasce a vingança, discórdia , morte. O amor narcísico é a vaidade vestida de amor, capaz de matar e aprisionar qualquer sincera alma. A vaidade move o homem como força motriz que junto ao orgulho arruína o mais generoso coração. Alguns são incapazes de desenvolver amor ao outro que não seja amor que vê em si mesmo a perfeição que o outro deve alcançar e assim ama apenas seus bajuladores ou seu projetivo “reflexo constante”.
Já amei como uma ninfa,
Já amei narcisos
Já fui Narcisos…
Poeticamente posso descrever o estado de amar uma pessoa narcísica, enquanto ouço Monteverdi
Eu o amava porque o idolatrava com a hipocrisia dos vaidosos
E o amava como quem desfilava o leito do rio Estige
Negando a mim como quem abandona o barco do Caronte desafiando a travessia.
O amava e fazia da vaidade dele o mote do meu cortejo,
mantendo-o controlado em luxúria e êxtase
mas sem jamais poder revelar-lhe a sua própria imagem de arrogância e desprezo
O amava fazendo eco das suas insanas verdades
para que permanecesse ao meu lado
E o amava que me vi transformada em flor no rochedo
Para que o rio deslizasse por entre minhas peles de pedra
onde congelei-me na água da realidade
da impossibilidade
de viver
o amor.
Acabar o ensaio com canções de amor pode parecer um lugar comum, mas de todo o ensaio, a conclusão é que o amor é um grande e prestimoso lugar comum. Então, acabo com uma das canções mais lindas que conheço, fruto do amor de um pai por uma filha, singular em traduzir e expressar o amor… ” Canção pra Jade” ( Toquinho)
Desde quando eu te vi Tudo ficou mais lindo: A rua, a lua, o sol no céu luzindo. Olhando teu olhar, Ouvindo a tua voz Chego a não crer, A me surpreender, feliz, sorrindo.
Estrela singular Da luz do amor nascida. Antieclipse lunar da minha vida. A cada passo teu Segue meu coração, Por entre os móveis, Calçadas, parques e avenidas.
Viva cada instante, viva cada momento, Proteja da razão teu sentimento. Tente ser feliz enquanto A tristeza estiver distraída. Conte comigo A cada segundo dessa vida.
E o tempo vai passar Ao longo dessa estrada. Novas estórias lhe serão então contadas. E você vai crescer, Sonhar, sorrir, sofrer Entre vilões, moinhos, dragões e poucas fadas.
Essa canção foi composta entre a vigília e o sono do meu filho Othávio quando ele era recén nascido. Compus enquanto cantava e o embalava para que adormecesse. Em muitas culturas a canção de ninar nasce e se perpetua justamente assim: Movimento integrado, acolhimento, calor, colo, balanço.
CURIOSIDADE S MUSICAIS:
O baião é um gênero musical brasileiro caracterizado por uma marcação rítmica binária. O rítmo também recebe o mesmo nome. No baião tradicional, o intrumento que marca essa pulsação é a Zabumba. O ser humano também possui uma batida binária, e embora não sejamos um gênero musical, carregamos em nós, nossas pulsações. O coração é um dos primeiros sons que ouvimos, talvez o mais marcante nos primeiros momentos da nossa vida, ainda no ventre. É um som arquetípico, com duas batidas.
Célula rítmica do baião
Encontrei essa gravação referente à canção “Baião é de Ninar”, do compositor Edino Krieger, músico brasileiro. Não encontrei mais referências sobre o grupo que gravou, mas vale ouvir também. Partitura em: http://portal.brasilsonoro.com/baiao-de-ninar/
Essa canção que compus, nasceu para um filme curta-metragem em que…
Uma senhora de meia-idade, de família tradicional, tem que lidar com a gravidez da filha adolescente, em meio a fantasmas de uma história de abusos e moralidades. Essa é a sinopse de Sonata, cujo roteiro foi finalizado pelos integrantes do Foco – Laboratório de Audiovisual, na última semana de março. O segundo filme, intitulado O que aconteceu com você, Vera?, aborda as transformações e os dilemas vividos por uma mulher quando ela se torna mãe. O roteiro mostra uma protagonista de poucas falas, mas reações-limites.