Voltar à lida das minhas miragens é como ficar imóvel diante da dureza da minha alma. Tudo está quieto. Não movo o sorriso, não há vento, não me movimento, não há nenhum pedido de socorro.
A morte é uma silenciosa manhã que nunca chega.
Me machuquei com essa nossa história de não amor. Fiquei com um estilhaço dentro da pele e isso sangra. Queria esfregar o sangue desses tantos cortes no teu rosto que morre na minha lembrança. Queria ver no seu corpo o cheiro forte do sangue que escorre das minhas palavras. Queria fazer rugas brotarem nos seus ossos, e de toda sua ossatura, fazer uma velharia flácida- magra, extinta e póstuma. Tudo isso para ver se a vida voltava. Queria apagar o passado e acordar no dia em que fui embora pela primeira vez. Queria ficar na horizontalidade da escolha banal de te desprezar. Fico agora rondando a inércia de não- te-amar. Confesso que ficou esse seu não amor me fazendo mal. Ficou todo o rascunho, apagado de borracha no rasgo do papel. No verso da folha, eu de vez em quando leio. Leio e releio as vezes que inventei de olhar o escuro acreditando na conversão da sombra em luz, as vezes que fiquei procurando alguém que não havia. Dei de cara com um rato molhado num canto sepulcro. Sozinha, vi que não havia sequer um rastro teu. Eu não sabia que tuas sapatilhas pontiagudas pesariam tanto na minha alma branda, que espancariam minha feminilidade. Envelheci de tanto não falar sua língua. Fiquei feia de tanto ouvir teus não dizeres de amor. Fiquei fria de tanto não ganhar da tua carne as profundezas sagradas do toque. Foi uma lista de infâmias essa nossa história que não dissolvia. Foi um assalto à minha existência, d’onde adormeci criança e acordei morrendo. Foi um tempo de esforço quase sem passo. Não queria me sentir esse pedaço de terraço frio, sem mote. Queria estar inteira sem esse troço. Queria não estar como a garganta tonta, com a voz rouca, com esse eco estático que restou. Queria me sentir livre, como eu realmente sou. Sair inteira dessa nossa história que nunca começou.